Revenda conserva veículos que nunca rodaram em Estrela-RS


Um prédio imponente de paredes brancas e detalhes azuis, com largas vidraças, ocupa uma das principais esquinas de Estrela, de frente para a Avenida Rio Branco. De fora, se vê dois carros expostos e um senhor sentado em uma cadeira de madeira à beira de uma das portas – a única aberta. Ao entrar, é ele que anuncia:

– É a Comercial Gaúcha de Veículos, mas nenhum veículo está à venda, nem adianta tentar.

Quem avisa que algo está diferente em uma concessionária convencional é Otmar Walter Essig, 79 anos. Dentro do prédio, os sinais ficam mais visíveis. Não há funcionários, nem clientes, e são poucos os carros em exposição. O contrato da concessionária com a Volkswagen foi encerrado em 2002, segundo o proprietário porque a cota mínima de venda foi elevada e ele não conseguiria alcançá-la.

Mesmo sem receber carros novos, o empresário continua indo à loja, apelidada de Covipa, todos dias, incluindo sábados. Às 6h30min, o morador de Arroio do Meio, também no Vale do Taquari, já está na revenda, com o mate sobre a mesa.

– Nos primeiros dois anos, fiquei triste, mas depois passou. Tenho o dinheiro que preciso e, ainda por cima, menos incomodação – justifica.

Para manter a rotina e a cabeça ativa, Essig permanece na loja até por volta das 16h, e ocupa o tempo batendo papo com amigos, fazendo preces no pequeno santuário que mantém no canto de sua sala, limpando os cômodos e, vez ou outra, atendendo colecionadores de carros ou clientes interessados em comprar peças. Mas são poucos os que conseguem.

– Esses dias comprei uma peça que não encontrei em nenhum outro lugar. Para conseguir, é preciso muita conversa e, de preferência, ser da cidade – conta o mecânico Ilmo Diehl.

Dois Fuscas mantêm a cera original de fábrica

Tudo isso porque a concessionária guarda unidades que nem são mais fabricadas. Mas mais difícil do que uma peça é levar um carro da antiga loja. Os últimos veículos foram vendidos no ano passado para um colecionador de São Paulo. Restaram três Fuscas e uma Quantum, todos zero-quilômetro, e outros cinco carros – um Fusca (1998), um Gol (1998), um SP2 (1975), uma Kombi (1994) e um Santana (1996) – usados de forma alternada por Essig.

Exposto ao lado da Quantum 1998 no saguão principal da loja, o Fusca azul metalizado já recebeu oferta de R$ 200 mil. A proposta foi negada. Para o empresário, o carro fabricado em 1986, que ganhou a placa de "último da série", não tem valor.

– Minha sogra não está mais viva. Só quem está com a sogra na UTI precisaria vender – brinca Essig, completando que tem "os pilas" que precisa no banco.

Outros dois Fuscas prata, ambos de 1996 e jamais rodados, também foram guardados como relíquia: ficam trancados numa sala. Os veículos conservam a cera original vinda de fábrica, e só o dono chega perto.

Aberta em 1974, a revenda chegou a ter mais de 10 sócios. Alguns anos depois, Essig assumiu sozinho. A mulher, Susi, morreu anos depois do desligamento da revenda autorizada. Um motivo a mais para continuar com a rotina diária de idas ao antigo local de trabalho.

Em visita à concessionária, há menos de dois anos, o paulista Reginaldo Ricardo Gonçalves, 39 anos, que se diz caçador de raridades e mantém um site sobre carros antigos, afirma ter se emocionado com a história de Essig. As fotos tiradas por ele foram disseminadas na internet, o que provocou uma onda de telefonemas originados de vários pontos do país.

– Dá a impressão de que a concessionária fechou ontem. Tem uma bancada com as ferramentas em cima, como se um funcionário tivesse trabalhado e voltaria no dia seguinte para terminar o que estava fazendo – descreve Gonçalves.

Se alugado, o prédio da antiga revenda poderia render R$ 15 mil por mês, estima uma imobiliária local. No caso de venda, a estimativa mínima é de R$ 2 milhões.



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